Joana Isabel Campos Silva
Design Interactivo – Artigo de Investigação
Transparência: simulacros, mediações e remediações
2º semestre de 2007 / 2008
21 de Abril de 2008
Transparência: simulacros, mediações e remediações
Joana Isabel Campos Silva
Universidade Católica Portuguesa, Vila Nova de Gaia, 4430-071 - Portugal
Abstracto — Este artigo pretende salientar a importância da transparência enquanto meio modificador da percepção do Ser Humano, na sua ligação com os novos media ou medium. A transparência mediada tem um carácter cultural e histórico, tendo tido a sua origem com a perspectiva linear. Este artigo fundamenta-se no segundo capítulo do livro Windows and Mirrors - O Mito da Transparência - de Jay David Bolter e Diana Gromala. [1]. Para uma melhor abordagem da existência da transparência, no modo como o homem percepciona o mundo, irei fazer referência, ao livro Remediation de Jay David Bolter e Richard Grusin [2], ao artigo de Larriza Thurler – TV na Internet, Reflexões sobre a Remediação e Interactividade [3], ao livro Simulacros e Simulação do filosófico Jean Baudrillard. [4] e ao artigo de Daniel Melada Vieira Barros – Ambientes mediatizados para a formação continuada dos profissionais da informação. [5]
Index Terms — Transparência; Ilusão, Simulação, simulacro, mediação, media e medium; interfaces gráficos e remediação.
I. INTRODUÇÃO
Segundo Bolter e Gromala [1], o mito da transparência surgiu com a pintura renascentista, através da perspectiva linear. Os pintores conseguiam criar ilusão ao olhar, simulando nas suas pinturas um ambiente realista. Com o passar dos anos, a fotografia surgiu com a capacidade de reproduzir a realidade de um modo fidedigno, congelando a acção. Colocou a pintura em risco, e muitos questionaram se um fotógrafo seria um artista ou um simples técnico. Por sua vez a fotografia trouxe-nos o cinema, de uma fotografia estática passamos a ter uma fotografia dinâmica – movimento e mais tarde a televisão com a capacidade de se reproduzir em tempo real.
O grau de transparência foi diminuindo ao longo dos tempos. Primeiro tivemos ilusões pictóricas que simulavam muitíssimo bem o real, tivemos registos que fixavam o real e tivemos também, longos registos do real em movimento. Actualmente, podemos reunir todos estes meios numa só máquina – o computador.
O meio da mediação foi encurtando “aparentemente”, já que o homem consegue aproximar-se da realidade de um modo fidedigno, embora essa visão seja fictícia. O seu conhecimento do mundo está a ser constantemente mediado pelos médium. Pois o enquadramento (moldura) e a perspectiva de quem possibilita o real “controla” essa mesma visão.
É, pois, também visível que registar o comportamento sensitivo do ser humano sempre foi um dos nossos maiores objectivos e por isso o grau de transparência aumenta quanto mais próximos estamos do real. Se continuarmos a diminuir o percurso relacionável existente entre o real e a réplica (registo) este paradigma acabará por se tornar num só padrão. Realidade e virtualidade deixarão de ser dois paradigmas individuais e farão do Homem, uma máquina humana ou vice-versa. Por isso questiono-me: fará sentido existir essa união?; Se realidade e virtualidade serão a mesma coisa, o que será do mundo para além do real? Será ele mesmo? Fará sentido esta transparência chegar ao seu ponto máximo, deixando de perceber onde se encontra a sua fronteira?
II. ILUSÃO DA TRANSPARÊNCIA, SIMULAÇAO DO REAL
O mundo dos media, encurtaram caminho. Um acontecimento passado em Nova Iorque estará a ter repercussões no meu pais, na minha cidade, na minha rua. E são estes acontecimentos que fazem de um homem comum, um ser de notícia mundial.
A queda das Torres Gémeas fizeram o mundo parar. Tivemos projecção directa da sua queda, e diversos jornalistas e vídeo-amadores discursaram visualmente e verbalmente o que viram e sentiram. E é aqui que o carácter da transparência aparece. A nossa visão estava a ser mediada pela visão de outro, e nós não nos apercebemos do meio.
Aquele acontecimento fez de nós, seres que usufruíram de uma experiência espectacularmente diferente.
Figura 1 [6]
O homem não se apercebe que está a ser mediado por algo ou alguém. E até, julgamos ser capazes de contar com algum detalhe a experiência sentida. Tivemos a sensação que presenciamos na realidade a tragédia, mas na verdade assistimos a tudo na chamada “caixinha mágica” – a televisão.
Vejo esta transparência com alguma preocupação, uma vez que a nossa percepção está a ser manipulada de tal modo, que nós nem nos apercebemos do meio - carácter transparente. Aqui, o que conta é a experiência do espectador e do utilizador. Por isso, é fácil compreender a quantidade de cibernautas que frequentam a web. Eles procuram novas experiências constantemente.
Segundo os autores do capítulo “O Mito da Transparência”, as artes digitais tentam provocar e desmistificar a invisibilidade, uma vez que os chips e a tecnologia invadem a nossa vida diária de um modo assustador.
A transparência, muitas vezes, também pode ser percepcionada quando as coisas são óbvias e directas. Neste caso, falarei da existência do computador e da criação do GUI – graphic user interface.
A existência de icons, metáforas visuais e de ambientes que simulam o real, realçam o carácter facilitista na sua utilização prática. Os designers gráficos fazem um esforço para proporcionarem um acontecimento simplificado, claro e de percepção fácil, quando o utilizador manipula a máquina (hardware, software).
Os designers de interfaces, procuraram estratégicas tão eficazes como os tipográficos fizeram na sua época. Eles procuram um design ágil, prático e útil, de modo a que a forma e a função sejam um bloco coeso e de fácil acesso.
O GUI, possibilitou a criação de um interface e este trouxe-nos diversas dimensões tecnológicas. O aparecimento do Desktop, as janelas sobrepostas, utilização do rato, teclado e milhares de icons.
Os interfaces gráficos, facilitaram a usabilidade do computador, uma vez que o desktop, é a réplica da nossa secretária, enquanto ferramenta e modo de arrumação. As janelas sobrepostas possibilitaram compreender onde estamos e para onde podemos ir, bem como possibilitar diversos modos de organização e manipulação do espaço virtual.
Figura 2 [7 ]
Já os icons e os interfaces naturais possibilitaram um manuseamento mais fidedigno através da acção - reacção, muito semelhantes à realidade. Se eu movimentar o rato para a direita, irei ver o meu cursor a movimentar-se no ecrã no mesmo sentido, mas na realidade isso não acontece. Existe uma ilusão óptica. Segundo Jean Baudrillard [4] tudo o que existe no mundo é simulado. “...simular não é fingir”, pois “a simulação põe em causa a diferença do “verdadeiro” e “falso”, do “real” e do “Imaginário”.” [4].
Para uma melhor compreensão, faço aqui referência ao icon do lixo. Ele para além de se apresentar muito semelhante ao real, o seu comportamento adquire as mesmas funções (simulacro). O acto de deitar as coisas no lixo é idêntica à que conhecemos na realidade e o esvaziar também, uma vez que o lixo fica vazio. Ora, este icon, incorpora não só a forma, como também o conteúdo. Ou seja, é feita uma simulação que adquire os “sintomas” desse mesmo acto na realidade. Mesmo que saibamos que o lixo nunca existiu e que também nunca o apagamos, o homem necessita de viver com a ideia de uma verdade alterada, uma verdade fictícia – reportando sempre para o que conhece na realidade.
Segundo Hélder Dias, a simulação não está centrada na imagem enquanto meio de representação, mas sim no visual.
Baudrillard [4] fala de uma verdade não real, mas sim de uma hiper-realidade que está intimamente relacionada com o imaginário.
Cristina Sá salienta o sentido único das metáforas. Estas, facilitam e ajudam ao seu uso, pois para além de representarem visualmente um objecto físico real, transportam consigo um comportamento ou um ambiente. Elas apresentam um sentido único, que quando são percepcionadas, valem, não só pela sua característica física, mas também mental, espacial, afectiva e comportamental, quase como se de uma história se tratasse.
III. MEDIAÇÃO E A MOLDURA QUE LIMITA
Com a evolução das tecnologias, os computadores tornaram-se num multi-meios, pois conseguem suportar outros meios através da numeração binária. (TV, escrita, cinema, música, fotografia...).
Por isso, Bolter [1] apresenta duas perspectivas distintas que acontecem nas artes digitais: a chamada “janela” e a “moldura”. O aparecimento do GUI, da World Wide Web e do hipertexto, fizeram do computador uma janela transparente. Pois, para além de conseguirmos observar, tal como fazemos com a TV e o cinema, podemos manipular, alterar e navegar. É possível controlar o espaço, o aspecto visual e a informação, tudo isto em tempo real.
Por outro lado, Bolter falha num aspecto. A janela deveria ser atravessada na integridade dos sentidos, isto é: não apenas através da visão ou do tacto. As artes digitais deveriam proporcionar a interacção do corpo na sua integridade.
Por outro lado, acabamos sempre por ter um enquadramento, que nos limita a percepção, a chamada moldura.
Há ainda outro aspecto, que tem haver com o nosso foco de atenção. Se eu procurasse uma camisola vermelha numa loja de roupa, todas as outras cores seriam excluídas do meu olhar. O meu foco de atenção centra-se no vermelho e em todas as gamas dessa mesma cor. Ora, a meu ver, por muito que a janela nos limite e enquadre uma perspectiva, se nos centrar-mos no conteúdo, abstraímo-nos da sua moldura. O mesmo acontece com os livros. As pessoas centram-se nas palavras e no seu significado, absorvendo o sentido do conteúdo e ignorando por completo o tipo de letra. Acima de tudo o leitor procura a experiência, ignorando a forma das palavras. Por outro lado, a forma tem de servir a função, por isso forma sem conteúdo não faz sentido. Embora na leitura, seja visível o entusiasmo pelo conteúdo, a forma também condiciona a leitura, mas de um modo discreto. [1] Por outro lado, o mesmo texto pode ser entendido de modos diferentes mediante a perspectiva de cada leitor. O leitor é um processo aberto de caminho, tal como um user. Este, a partir do hipertexto, tem a possibilidade de construir a sua experiência pessoal. Mediante o seu percurso, a leitura será diferente e o seu entendimento do mundo também.
“...Enquanto sujeito do conhecimento, o homem não tem acesso directo aos objectos, mas acesso mediado, através de recortes do real, operados por sistemas simbólicos de que dispõe.” [5]. Quantos mais meios existirem entre o real e a reprodução do real, mais mediação existe. Mais longe nos encontramos da realidade.
À primeira vista, a mediação entre o homem e a leitura parece ser curta e por isso mais fidedigna, mas não! A leitura exige, linguagem cultural e reconhecimento das palavras. Estas, por sua vez, têm um significado e só depois temos um sentido. Relativamente à mediação e à linguagem o professor Hélder Dias salienta a obra do filósofo Kittler. Este, fez um estudo do gramofone, do cinema e da máquina de escrever. Esta última é pouco ou nada mediada. O acto de escrever proporciona um desmitificar do real, no primeiro acto. Basta bater uma tecla que ela é logo projectada no real. A única mediação é a tinta, logo é mais transparente.
IV. REMEDIÇÃO
A linguagem computorizada, como funciona binariamente através de 0 e 1, permite modificar uma imagem a partir do som ou vice-versa. Por isso, a partir do momento em que apareceu esta nova linguagem, fala-se de médium, em vez de novos média. Isto porque os média (imagem, som, texto) resultam na mesma linguagem (0 e 1). Ora, isto faz com que seja necessário uma adaptação constante a todas estas novas linguagens (remediação) [2].
Segundo Larriza Thurler, [3] devido ao “rápido surgimento de uma grande quantidade de inovações tecnológicas num curto espaço de tempo”, os media tradicionais tiveram de se adaptar às novas linguagens existentes. “Assim, a remediação auxilia na familiarização de uma nova mídia recorrendo às linguagens já conhecidas…”[3] Thurler fala da reorganização das estruturas.
Uma imagem pode ser convertida em 0 e 1, bem como um texto, um filme. O mundo está a tornar-se numa grelha binária, refeita matematicamente. Por isso, inicialmente falava do homem-máquina, o chamado “pós-humano” evidenciado por Kittler. Segundo o professor Hélder Dias, “Se a tecnologia toma lugar do pensamento na constituição real e corpo/humano, é porque existem dispositivos para a reconstução… Entrada do Humano para a produtividade, variabilidade…” Os medias confundem-se entre si. Parece que a mediação são remediações. A TV para além das notícias, apresentam-nos notas de roda pé, a web possibilita-nos não só navegar numa páginas como nos invade com PopUps. Os meios confundem-se em si mesmos, por isso se tornam um só.
V. CONCLUSÃO
Com este artigo saliento as mudanças “transparentes” que manipulam o nosso conhecimento do mundo.
A transparência está intimamente relacionada com a autenticidade da representação real. A Aproximação das experiências sensoriais aparentemente não mediadas, apresentam uma transparência real. O homem deixa-se envolver e não compreende que tudo não passa de uma manipulação.
A naturalização dos objectos fizeram com que os actos conscientes passassem a ser de interacção naturalista. Os processos de mediação são distintos e fazem do homem aproximar-se ou afastar-se da realidade mediante a mediação existente.
A evolução dos media é avassaladora, e provoca distúrbios mundiais. A linguagem é alterada diariamente, e acredito que um dia passemos a falar através de linguagem binária (0 e 1) sem nos apercebermos que a máquina já está em nós.
REFERÊNCIAS
[1] BOLTER, Jay David e GROMALA, Diana, Windows and Mirrors, Interaction Design, Digital Art, and the Myth of Transparency. Universidade de Lisboa
[2] BOLTER, Jay Davis & GRUSIN, Richard. Remediation –
Understanding New Media. Cambridge: The MIT Press,
2003
[3] THURLER, Larriza – Artigo - TV na Internet, reflexões sobre a remediação e a interactividade.
http://64.233.183.104/search?q=cache:kSs3YiangcoJ:reposcom.portcom.intercom.org.br
[4] BAUDRILLARD, Jean, Simulacros e Simulação, Relógio
D’Água.
[5] BARROS, Daniel Melada Vieira – Artigo – Ambientes Mediatizados para a formação continuada dos profissionais da informação.
http://www.febab.org.br/rbbd/ojs2.1.1/index.php/rbbd/article/view/70/59
[6] http:www.mirrors.org/historical/2001-09-11-Word-Trace_Center/wtc_005.jpg
[7]http://img444.imageshack.us/img444/705/parallelsmactq1.jpg
[8] http://www.casadoplastico.com/catimg/0014.jpg
[9] http://macmagazine.com.br/blog/wp-content/uploads/2007/12/07-trash.pn